Foi há muitos anos, no colégio, que ouvi falar do nacionalismo para além dos estados-nações, a exemplo do pan-eslavismo russo e do teutonismo alemão. Pareciam coisas antigas, muito relacionadas à confusão entre os países europeus durante a segunda onda colonial.
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Mais recentemente, a ideia de “mundo russo” tem soado como um pan-eslavismo reeditado, com as piores intenções possíveis e consequências prolongadas. Um outro legado dessas bobagens, porém, foi inteiramente absorvido mundo afora desde aquela época: o chamado "panlatinismo" deu na invenção da “América Latina” por Michel Chevalier (ou por José María Torres Caicedo).
Seja um ou outro o pioneiro no seu uso, o termo é de difusão francesa por conveniência imperial. A autoproclamação da França como ponta-de-lança cultural da “latinidade”, aliás, provavelmente causaria certa estranheza a italianos e ibéricos.
Uma invenção de enorme sucesso, diga-se de passagem, adotada espontaneamente do México à Patagônia e usada até como designativo étnico nos Estados Unidos. Muito mal empregada, também: ainda que Chevalier ou Caicedo não quisessem se referir à Jamaica, à Guiana ou a Trinidad e Tobago, é assim que se faz hoje em dia. Sem nunca incluir o Québec.
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| "Na pinta" |
Não é uma boa designação, portanto, para a continuidade territorial do subcontinente. Há contudo uma alternativa simples que, além de restabelecer certo rigor histórico-cultural, teria provavelmente boa receptividade entre os entusiastas do decolonialismo/anticolonialismo: substituir o critério humanístico pelo natural.
Quando dividida a Terra em regiões biogeográficas, o que hoje chamamos de América Latina (e Caribe) coincide quase perfeitamente com a denominada Região Neotropical do planeta.
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| O neotropicalismo demolindo rimas |
Constituída de massas de terras que se separaram cedo da Gonduana e só muito mais tarde se fundiram com a América do Norte, a Região Neotropical é muito do que acreditávamos ou gostaríamos de ser socioculturamente: algo novo, inusitado perante o resto do mundo, lar da única família de primatas não encontrada na Eurafrásia e com nada menos do que 31 famílias de aves só nossas, mais que o dobro do que qualquer outra região.
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| Não é que pensaram nisso? |
Se não faria sentido unir o Moçambique, a Costa do Marfim e o Marrocos numa “África Latina”, tampouco o nome que damos a nuestra América se sustenta de pé se pararmos para pensar. Na América Neotropical ficariam bem mais à vontade o Belize, o Suriname, Barbados e Aruba.
Vai ver, em lugar de “latino” ou “hispanic”, os texanos passariam a nos chamar de “neos”. E os quebequenses, muito pelegamente franceses, ficariam sossegados por não ter nada a ver com isso.
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| Neo, meio havaiano mas nada neotropical |
Para dar um ar mais emancipatório à transição, poderíamos ainda encerrar a homenagem ao velho florentino e copiar integralmente o termo naturalista, Região Neotropical ou simplesmente Neotrópico, como se costuma dizer em castelhano, termo que dá por sinal um bonito topônimo.
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| Memorial Neotropical é rima decolonial |
Mercosul, Mercosur, R. Neotropical ou Neotrópico, como preferirem, está lançado aqui o subversivo, revolucionário, histórico Manifesto Neotropical.






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