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Mostrando postagens de 2022

Bashung

Foi em 2008 que Alain Bashung entrou em minha vida, um pouco antes de encerrar a sua. Provavelmente conheci o nome por meio de sua interpretação de Tango funèbre do Jacques Brel (de letra brilhante, aliás) e fiquei intrigado pela voz sombria e pela execução taciturna. Daí não demorei a esbarrar em La nuit je mens e não deixei mais de escutá-lo regularmente. O nome nos antigos arquivos de MP3 inevitavelmente me remetia a Matsuo Bashō . Mais tarde, eu descobriria que se tratava também de um poeta, porém que não escrevia sobre a neve, a relva seca nem rãzinhas, mas frequentemente sobre relacionamentos convolutos e noites espiraladas. tsuki hana mo / nakute sake nomu / hitori kana | Que lua, que flor / nada, bebo umas doses / aqui sozinho (1689) Bastaria o título La nuit je mens (A noite eu levo) para me fascinar, mas há muitas razões para gostar dessa faixa cheia de acertos. Já na primeira estrofe, a nostalgia de um romance que começava na estação balneária é concluída com o verso ...

40: a falência da imortalidade

Aos 40, depois de alcançar o amor , de saber da morte na cama , escapar de um inferno subjetivo e ingressar num aparente paraíso , eu ruí. Na meia-idade, com a cabeça cheia de cabelos brancos, eu desabei, ruí. Tinha que ir ao barbeiro, e pensava em revisitar a antiga vizinhança, então saí apressado, mas satisfeito: meu telefone havia acabado de receber a última versão do sistema operacional, eu almoçaria uma feijoada famosa no antigo bairro e cortar o cabelo é sempre um alívio.  Sábado de contemplação Tirei pelo caminho uma foto de um cacho de flores, faceiro a caminho de minhas tarefas periódicas. Segui a rua e dobrei a esquina para a avenida que conduz a bairros mais próximos de onde eu morava. A mudança de logradouro coincidiu com uma estranha alteração de tônus físico. Lojas, prédios enormes, bancos e bancas fizeram-se estranhamente nus porque não tinham corrimãos nem espaldares de cadeiras nos quais eu pudesse apoiar minhas mãos meus braços meu tronco subitamente inseguro, co...

Fins de histórias

Quando eu ainda sofria meus primeiros meses de vida, Blade Runner chegou aos cinemas e, ao que parece, reservou imediatamente seu espaço no imaginário popular. Alguns anos depois, Top Gun , com sua trilha sonora marcante e imagens de caças em combate, provocaria filas de espera nas locadoras de VHS.  🤖 Tínhamos em casa o LP, de capa azul de papelão, da trilha de Top Gun ("Ases Indomáveis") e os quadrinhos infantis parodiavam Blade Runner, enquanto Eduardo e Mônica era ainda para mim algo um pouco distante, que alguns colegas mais velhos cantarolavam aos pedaços quando não hipnotizados pelas façanhas dos Guns 'n' Roses.  🐐 Trinta e cinco anos depois, Blade Runner 2049 atreveu-se a reevocar o filme original, de forma rigorosamente respeitosa – se não elogiosa – sem cair na armadilha tentadora de replicar o futurismo hiperurbano e oriental com os novos recursos visuais disponíveis. No filme de 2017, opta-se por uma desolação desértica, hipersolar e ocre onde se des...

Dever de casa: "L'an 01"

Tax the rich, feed the poor 'Til there are no rich no more I'd love to change the world But I don't know what to do So I'll leave it up to you Population keeps on breeding Nation bleeding, still more feeding, economy Life is funny, skies are sunny Bees make honey, who needs money? No, not poor me (...) World pollution, there's no solution Institution, electrocution Just black and white, rich or poor Them and us, stop the war (“ I’d Love To Change The World ”, Ten Years After) Desde o início da pandemia, percebo uma espécie de viés cognitivo em minhas próprias reações. A primeira vez que escutei “I’d Love To Change The World”, do Ten Years After, achei que tinha descoberto uma profecia musical, os Nostradamus do rock. O desejo (ou necessidade) de mudar o mundo depois do covid sem saber como fazê-lo, a poluição global sem solução, negros e brancos (racismo), ricos e pobres (o crescente abismo socioeconômico), nós contra eles (a chamada polarização contemporânea), ...

Devoir à la maison : L’an 01

Tax the rich, feed the poor 'Til there are no rich no more I'd love to change the world But I don't know what to do So I'll leave it up to you Population keeps on breeding Nation bleeding, still more feeding, economy Life is funny, skies are sunny Bees make honey, who needs money? No, not poor me (...) World pollution, there's no solution Institution, electrocution Just black and white, rich or poor Them and us, stop the war (“ I’d Love To Change The World ”, Ten Years After) Depuis le début de la pandémie, j’aperçois une espèce de biais cognitif dans mes propres réactions. La première fois que j’ai écouté “I’d Love To Change The World”, de Ten Years After, j’ai cru avoir découvert une prophétie musicale, les Nostradamus du rock. Le désir (ou besoin) de changer le monde après le covid sans savoir comment le faire, la pollution globale sans solution, noirs et blancs (racisme), des riches et des pauvres (le gouffre socioéconomique croissant), eux contre nous (la dite ...

Tecnostalgia: Quake

And my computer's processor it was so quick, boy was I glad I bought that 486. ( The Night Before Doom , de Hank Leukart, paródia de The Night Before Christmas ) Quando o primeiro computador chegou à minha casa, Doom II ainda era bastante recente, sobretudo se considerados o ritmo um pouco mais modesto dos lançamentos da época e o impacto duradouro desse jogo sobre o público e a indústria em geral. Doom foi o jogo que “fez a minha cabeça” na adolescência. Os jogos de console de antes não chegaram nem perto de me envolver daquela maneira, os de computador que vieram depois não foram beneficiados pela “idolização” entusiasmada de adolescente. Eu treinava Corel Draw reproduzindo o logotipo tridimensional e extrusionado de Doom, instalava o jogo antes do Windows e do Office quando formatava uma máquina. Entre os Dooms e Quake houve Dark Forces, Full Throttle, Descent, Warcraft II, Duke Nukem 3D etc. Nesse período os “kits multimídia” com leitor de CD-ROM se popularizaram e surgiram até...