Repassando minha pasta de escritos, encontrei, em "traduções", a introdução ao primeiro volume de "História da Arte", dedicado à arte antiga, de Élie Faure.
Trata-se de uma tripla façanha: um homem, que também é um artista, consegue dar um passo atrás e explicar, nos termos mais evidentes possíveis, o que é o fenômeno da arte, e por consequência descrever um aspecto fundamental da condição do Homem, indissociável dela.
É o mais próximo que se conseguiria chegar de explicar, a alguém teoricamente desprovido de qualquer emoção, a experiência estética, o ímpeto teimoso da expressão e a capacidade de tudo sintetizar do produto artístico
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| Obrigado, Dr. Faure. |
Em contraste com o tom acadêmico, anódino e pasteurizado dos ensaios contemporâneos, Faure não hesita em usar termos como espírito, sensibilidade, raça, instintos e inteligência para compor um texto que comove pela força e convence pelo acerto.
É um texto culto, que já bebe das descobertas mais importantes da virada dos 1900, mas que poderia ser lido num palanque e arrebataria hoje de operários a "youtubers". Nas fileiras de trás, provavelmente enxugariam lágrimas também cativos do egito, sábios mandarins, eremitas hindus e aldeões feudais.
(Minha tradução é anterior à vigência do acordo ortográfico de 1990/2016.)
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ÉLIE FAURE
História da Arte
A Arte Antiga
Introdução à primeira edição – 1909
A arte, que
exprime a vida, é misteriosa como ela. Escapa, como esta, a qualquer fórmula.
Mas a necessidade de defini-la nos persegue, porque ela se mescla a todas as
horas de nossa existência ao enaltecer seus espetáculos por meio de suas formas
mais elevadas ou aviltá-los por suas formas mais decadentes. Por maior que seja
nossa resistência ao esforço de escutar e de olhar, é-nos impossível não ouvir
ou ver, é-nos impossível abdicar de fato a formar uma opinião qualquer sobre o
mundo das aparências, cujo sentido é precisamente a missão da arte revelar. Os
historiadores, os moralistas, os biólogos, os metafísicos, todos que indagam da
vida o segredo das suas origens e de seus fins são levados, cedo ou tarde, a
investigar por que nós nos encontramos nas obras que a manifestam. Mas eles nos
obrigam a restringir nossa visão quando entramos na imensidão movediça do poema
que o homem canta, esquece, recomeça a cantar e a esquecer desde que é homem,
nos limites demasiadamente estreitos da biologia, da metafísica, da moral, da
história. Ora, o sentimento da beleza é solidário de todas essas coisas ao
mesmo tempo, e sem dúvida também os domina e os conduz à unidade possível e
desejada de toda nossa atividade humana, que só ele é capaz de realizar.
É nossa linguagem ,
e somente ela ,
que apreende e guarda
a aparência daquilo que
está ao nosso redor
e que surpreende nossos
sentidos . Nós
só poderíamos pedir
à arte que nos ensinasse história ,
caso ela
fosse apenas um
reflexo das sociedades
que passam com
a sombra das nuvens
no solo . Mas
ela nos
narra o homem , e o universo
através dele. Ela
ultrapassa o instante , ela amplia o lugar
de toda a duração ,
de toda a compreensão
do homem , de toda
a duração e extensão
do universo . Ela
fixa a eternidade
móvel na sua
forma momentânea .
Ao nos narrar o homem , ela nos ensina nós mesmos . O estranho é que
haja necessidade de nos
dizê-lo. O livro de Tolstói[1] não significava outra
coisa . Ele
surgiu num momento doloroso
em que ,
fortemente armados por
nossa busca ,
mas desorientados ante
os horizontes que
ela abre e percebendo que nosso esforço se dispersou, tentamos confrontar
os resultados obtidos para
nos unirmos numa fé
comum e marchar
adiante . Nós
pensamos e acreditamos naquilo que temos
necessidade de pensar
e de acreditar , é isso
que confere a nossos
pensamentos e crenças ,
no curso da história ,
esse fundo
indestrutível de humanidade
que todos
eles têm. Tolstói disse o que era necessário dizer naquele momento .
A arte
é um apelo
à comunhão dos homens .
Nós nos
reconhecemos uns nos outros pelos ecos que ela evoca em nós , que nós transmitimos pelo entusiasmo e que
ressoam em viva
ação ao longo
das gerações sem
que estas, às vezes ,
suspeitem. Se alguns entre nós
escutam sozinhos esse
apelo nos
períodos de incompreensão
e de abatimento geral ,
é porque eles
representam, nesses momentos , o esforço idealista
que reanimará o heroísmo
adormecido nas multidões .
Já se disse que
o artista se basta .
Isso não
é verdade . O artista
que o diz é vítima
de um orgulho
ruim . O artista
que acredita nisso não
é um artista .
Se não precisasse da mais universal das nossas linguagens , o artista
não a teria criado .
Numa ilha deserta ,
ele lavraria a terra
para fazer crescer
o pão . Ninguém
tem mais necessidade
da presença e da aprovação
dos homens . Ele
fala porque
sente a presença deles ao seu
redor , na esperança
muitas vezes frustrada e jamais combalida de que
eles acabarão escutando. É sua função expandir o seu ser , dar o máximo
possível de sua
vida a todas as vidas ,
exigir de todas as vidas
que lhe
dêem o máximo possível
delas, realizar com
elas , numa colaboração
obscura e magnífica ,
uma harmonia tão
mais emocionante
quanto maior
o número de vidas
que venha a participar .
O artista , a quem
os homens entregam tudo ,
lhes devolve tudo
que tomou.
Nada nos toca
afora o que nos acontece ou que pode nos acontecer. O artista somos nós mesmos.
Ele tem atrás de si as mesmas profundezas de humanidade entusiasta ou miserável,
ele tem ao redor de si a mesma natureza secreta que engrandece cada um de seus
passos.
O artista é a multidão
à qual todos
pertencemos, é quem nos
define a todos com
nosso consentimento
ou a despeito
de nossa revolta . Ele não tem o poder de juntar as pedras da casa que
constrói, sob risco
de esmagar o torso
ou dilacerar
as mãos , em
outra estrada
que não
aquela por onde
seguimos nós , atrás
dele. É preciso que
ele sofra daquilo que
causa nosso
sofrimento, que nós
o façamos sofrer . É preciso
que ele
ressinta nossas alegrias , que suas alegrias reflitam as nossas. É preciso
que ele
viva nossas aflições
e nossas vitórias interiores ,
mesmo quando
não as sentimos.
O artista não
pode sentir e dominar seu meio senão sob a condição de tomá-lo como seu meio de
criação. Somente assim ele nos dá a conhecer essas realidades permanentes que
todos os fatos e todos os minutos revelam àqueles que sabem vê-los e vivê-los.
Elas sobrevivem às sociedades humanas como a massa do oceano às agitações de
sua superfície. A arte é sempre “um sistema de relações”, e um sistema
sintético, mesmo a arte primitiva, que confessa, na acumulação infatigável do
detalhe, a busca apaixonada de um sentimento essencial. Toda imagem, no fundo,
é um resumo simbólico da idéia que o artista tem do mundo ilimitado das
sensações e das formas, uma expressão do seu desejo de fazer reinar nesse mundo
a ordem que ele sabe descobrir. A arte foi, desde suas origens mais humildes, a
realização dos pressentimentos de alguns respondendo às necessidades de todos.
Ela forçou o mundo a outorgar-lhe as leis que nos permitiram estabelecer
progressivamente no mundo a realeza do nosso espírito. Emanada da humanidade,
ela revelou à humanidade sua própria inteligência. Ela definiu as raças, ela
carrega sozinha o testemunho de seu dramático esforço. Se queremos saber o que
somos, é preciso que compreendamos o que ela é.
Ela é a
precursora de realidades profundas cuja posse definitiva, se é que esta não
mataria o movimento e com ele a esperança, permitiria à humanidade introduzir
nela e ao redor dela a suprema harmonia que é a meta fugidia de seus esforços.
Ela é algo infinitamente maior, sem dúvida alguma, do que imaginam os que não a
compreendem, e muito mais prática do que pensam muitos dos que sentem a força
de sua ação. Nascida da associação de nossas sensibilidades e de nossas
experiências pela conquista de nós mesmos, ela nada tem, em todo caso, dessa
distração desinteressada a que Kant, Spencer e o próprio Guyau quiseram limitar
seu papel. Todas as imagens do mundo são para nós instrumentos úteis, e a obra
de arte somente nos atrai porque reconhecemos nela nosso desejo formulado.
Confessamos
espontaneamente que os objetos de utilidade
primária , nossas roupas ,
nossos móveis ,
nossos veículos ,
nossas estradas , nossas casas nos
parecem bonitos quando
cumprem suas funções
fielmente . Mas
insistimos em posicionar
acima , ou
seja, fora da natureza ,
os organismos superiores
em que
ela se denuncia com
mais interesse
por nós
mesmos : nosso
corpo , nossa
dosagem , nosso
pensamento , o mundo
infinito das idéias ,
paixões e paisagens
em meio
ao quais vivem, que
eles definem e que
os definem sem que
possamos separá-los. Guyau não ia longe demais ao
se perguntar se o gesto
mais útil
não seria o gesto
mais belo
e nós recuamos com
ele ante
a palavra decisiva
como se ela
fosse abafar nosso
sonho , que
entretanto sabemos imperecível ,
já que
não atingiremos jamais
essa realização de nós
mesmos que
perseguimos sem cessar .
Ora , essa palavra
foi pronunciada, e por aquele que dentre todos os
homens possuiu a inteligência
mais desembaraçada ,
talvez , de qualquer
entrave material .
“Não é a função
de um corpo
bonito , dizia Platão, não é sua utilidade que nos demonstra que
ele é belo ?
E tudo que
achamos bonito , os rostos ,
as cores , os sons ,
os ofícios , tudo
isso não
é tanto mais
belo quanto
mais útil
o sentimos?”
A forma
bela , seja uma árvore
ou um
rio , os seios
de uma mulher ou
seus flancos ,
as costas ou
os braços de um
homem ou
o crânio de um
deus ; a forma
bela é a forma
que se adapta a sua
função . A idéia
não tem outro
papel que não o de defini-la. A idéia
é o aspecto superior
e a extensão infinita
no mundo , bem
como o futuro ,
do mais imperioso
de nossos instintos ,
que ela
resume e denuncia como a flor e a fruta
resumem a planta , a prolongam e a
perpetuam.
Todo ser, mesmo
o mais baixo, encerra em si, ao menos uma vez em sua aventura terrestre, quando
ama, toda a poesia do mundo. E o que chamamos de artista é aquele dentre os
seres que mantém, em face da vida universal, o estado de amor no seu coração. A
formidável voz obscura que revela ao homem e à mulher a beleza da mulher e do
homem e que os impele a uma escolha decisiva a fim de eternizar e de
aperfeiçoar sua espécie não pára de ressoar nele, dilatada e multiplicada por
todas as vozes e murmúrios e rumores e espasmos que a acompanham. Essa voz ele
sempre escuta, a cada vez que as ervas se remexem, a cada vez que uma forma
violenta ou graciosa afirma a vida em seu caminho, a cada vez que ele segue das
raízes às folhas a ascensão dos sucos subterrâneos no tronco e nos galhos das
árvores, a cada vez que ele olha o mar se elevar e se abaixar como se para
responder à maré dos milhões de germes que movimenta, a cada vez que a força de
fecundação do calor ou da chuva o inunda, a cada vez que os ventos geradores
lhe repetem que os hinos humanos se fazem com os apelos de volúpia e de esperança
de que o mundo está repleto. Ele procura as formas que pressente como as
procura o homem, o animal acometido do amor. Seu desejo vai de uma à outra, ele
estabelece entre elas comparações impiedosas das quais irrompe, um dia, a forma
superior, a idéia cuja lembrança pesará em seu coração até que lhe haja comunicado
sua vida. Ele sofre até a morte, porque cada vez que fecunda uma forma, dá
impulso a uma idéia, a imagem de outra nasce nele para torturá-lo; e porque sua
esperança nunca demovida de alcançar o que deseja somente pode nascer do
desespero de não o haver alcançado. Ele sofre, sua inquietação tirânica com
freqüência faz sofrer os que vivem ao seu redor. Mas ele consola, em torno de
si e cinqüenta séculos depois, milhões de homens. As imagens que deixará
assegurarão aos que souberem compreendê-las a lógica e a certeza de um
acréscimo de poder. Eles provarão, ao escutá-lo, a ilusão que ele provou um
minuto, a ilusão muitas vezes temível mas sempre enobrecedora da adaptação
absoluta.
É a única ilusão
divina! Chamamos de Deus a forma que melhor traduz nosso desejo, sensual,
moral, individual, social, que importa!,
nosso desejo infinito de compreender, de utilizar a vida, de fazer
recuar sem parar os limites da inteligência e do coração. Com esse desejo
invadimos as linhas, as saliências, os volumes que nos denunciam essa forma, e
é no seu encontro com as potências profundas que circulam dentro dela que o
Deus se revela a nós. Do choque do espírito que a anima com o espírito que nos
anima jorra a vida. Só saberemos utilizá-la se toda ela corresponder aos
movimentos obscuros que ditam nossa própria ação. Quando Rodin vê vibrar na
espessura do mármore um homem e uma mulher atados pelas mãos e pelos pés, por
mais apertado que seja o abraço, jamais compreenderíamos sua trágica
sofreguidão se não sentíssemos que uma força interior, o desejo, confunde os
corações e as carnes dos corpos soldados. Quando Carrière arranca da matéria
universal uma mãe amamentando seu filho, não entenderíamos o valor de tal enlace
se não sentíssemos que uma força interior, o amor, comanda a inclinação do
torso e a curva dos braços maternais, e que uma outra força interior, a fome, aperta
a barriga da criança. A imagem que nada exprime não é bela, e o mais belo
sentimento nos escapa se não determina diretamente a imagem que o traduzirá. Os
frontões, os afrescos, as epopéias, as sinfonias, as mais elevadas
arquiteturas, toda a liberdade contagiante, a glória e o irresistível poder do
templo infinito e vivo que erguemos para nós mesmos estão nesse misterioso
acordo.
Em todo caso,
ele define todas as formas superiores dos testemunhos de confiança e de fé que
deixamos ao longo de nossa comprida estrada, todo nosso esforço idealista que
nenhum finalismo – no sentido “radical”[2]
que dão a essa palavra os filósofos – direcionou. Nosso idealismo é tão-somente
a realidade do nosso espírito. A necessidade de adaptação o cria, o mantém em
nós para fazê-lo crescer e transmiti-lo a nossos filhos. Ele existe em
potencial, no fundo de nossa vida moral original, como o homem físico está
contido no longínquo protozoário. Nossa busca do absoluto é o desejo incansável
do repouso que nos daria o triunfo definitivo sobre o conjunto das forças cegas
que se opõem ao nosso progresso. Mas, para nosso bem, à medida que avançamos, o
fim se afasta. A finalidade da vida é viver, e é para a vida sempre móvel e
sempre renovada que nosso ideal nos conduz.
Quando se segue
a marcha do tempo, quando se passa de um povo a outro, esse ideal parece mudar.
Mas o que muda, no fundo, são as necessidades desse tempo, são as necessidades
desses povos que só o futuro pode demonstrar, através das variações de
aparência, da identidade de natureza e do caráter de utilidade. Mal saídos do
mundo egípcio-helênico, vemos estender-se em superfície o reino do espírito. Os
templos hindus e as catedrais detonam suas fronteiras; os estropiados espanhóis
e os pobres da Holanda o invadem sem nele introduzir sequer um desses tipos de
humanidade geral pelos quais os primeiros artistas haviam definido nossas
necessidades. Que importa. O grande sonho humano é capaz de reconhecer, mesmo
aí, o esforço de adaptação que sempre o guiou. Outras condições de vida
apareceram, formas de arte diferentes nos fizeram sentir a necessidade de
compreendê-las para orientar nossa ação no sentido do nosso interesse. A
paisagem real, a vida popular e a vida burguesa vêm caracterizar poderosamente
os aspectos quotidianos nos quais nossa alma, esgotada de sonho, pode se
recolher e se recompor. O próprio apelo da miséria e do desespero se faz para
exaltar nosso desejo de nos reunirmos, nos reconhecermos e nos tornarmos mais
fortes.
Se sucessivamente nos
voltamos para os egípcios, para
os assírios , para
os gregos , para
os hindus , para
os franceses da Idade Média ,
para os italianos, para
os holandeses, é porque pertencemos ora a um meio , ora a uma
época , ora a um minuto que seja de nosso
tempo ou
de nossa vida
que tem mais
necessidade desses ou
daqueles. Quando sentimos frio , procuramos o sol ,
procuramos a sombra quando
temos calor . As grandes
civilizações que
nos formaram têm, cada
uma delas, igual fração
do nosso reconhecimento ,
porque pedimos sucessivamente
a cada uma delas o que
nos fazia falta .
Vivemos a tradição quando
tínhamos interesse em
vivê-la, aceitamos a revolução quando ela nos salvaria. Fomos idealistas
quando o mundo
se rendia ao abatimento ou pressentia novos
destinos , realistas quando
ele parecia haver
encontrado sua estabilidade
provisória . Não
exigimos mais comedimento
das raças mais
passionais , nem
mais afã das raças positivas, porque
compreendemos a necessidade da paixão e a necessidade
do espírito positivo .
Fomos nós que
escrevemos o livro imenso
em
que Cervantes contou como éramos generosos
e como éramos práticos .
Seguimos uma após a outra
as correntes do pensamento
e conseguimos invocar argumentos
de quase igual
valor para justificar nossos pendores . O que
chamamos de arte idealista ,
o que chamamos de arte
realista são formas
momentâneas de nossa eterna ação . Cabe a nós apreender o minuto imortal em que as forças conservadoras e as forças
revolucionárias da vida se casarão para realizar
o equilíbrio da alma
humana .
A harmonia é uma lei
de ordem profunda
que remonta
à unidade primeira
e cujo desejo
nos é imposto
pela mais
geral e mais
imperiosa de todas as realidades . As formas
que vemos somente
vivem pelas transições que as unem e pelas quais
o espírito humano
pode retornar à fonte comum , da mesma
maneira que
é capaz de seguir
a corrente nutritiva das seivas
partindo das flores e folhas para remontar
às raízes. Veja uma paisagem se estender até a curvatura do horizonte .
Uma planície coberta
de ervas , de grupos
de árvores , um
rio que corre
para o mar , estradas ladeadas por
casas , cidades ,
animais errantes ,
homens , um
céu cheio
de luz ou
de nuvens . Os homens
se nutrem dos frutos das árvores , da carne ,
do leite dos animais
que o vestem com
seus pêlos
e peles . Os animais
vivem das ervas , das folhas , e se as ervas
e as folhas crescem é porque o céu toma do mar e
dos rios a água
que derrama
sobre eles .
Nem nascimento, nem
morte , a vida
permanente e confusa. Todos os aspectos
da matéria se interpenetram, a energia geral
flui e reflui, floresce a todo instante para murchar e reflorescer em metamorfoses
sem fim ,
a sinfonia das cores
e a sinfonia dos murmúrios
não são
muito mais
do que o perfume
da sinfonia interior
feita da circulação
das forças na continuidade das formas . O artista
vem, apreende a lei universal
e nos dá um
mundo completo
cujos elementos
caracterizados por suas
relações principais
participam todos da consecução
harmoniosa do conjunto
de suas funções .
Spencer viu os astros nus se desprender da nebulosa ,
solidificar-se pouco a pouco , a água
se condensar em
sua superfície ,
a vida elementar
surgir da água ,
diversificar suas
aparências , fazer
crescer todos
os dias seus
galhos , seus
ramos , seus
frutos e, como
uma flor esférica
se abre para lançar sua poeira no espaço , o coração
do mundo se expandir
em suas
múltiplas formas . Mas
parece que um
desejo obscuro
de voltar às suas
origens governa
o universo . Os planetas ,
saídos do sol ,
não conseguem se afastar
do círculo de sua
força , como
se nele quisessem mergulhar outra
vez . O átomo
solicita o átomo , e todos
os organismos vivos ,
surgidos de uma mesma célula , buscam organismos
vivos para refazer essa célula
naufragando uns nos outros ...
como o justo
quando se contenta
em viver , como o sábio e como o artista ,
quando penetram lado
a lado no mundo
das formas e dos sentimentos ,
fazem sua consciência
remontar à rota
que ele
percorreu para passar de sua antiga homogeneidade à sua
diversidade atual
e, num empenho heróico ,
recriam a unidade primitiva .
